16 de agosto de 2007

A TENTAÇÃO DO PODER

Na Ordem dos Médicos Veterinários (OMV) não existe uma sucessão credível à “dinastia de Resende”. Os que se perfilaram para desempenhar esse papel lembram mais figuras de banda desenhada, sem Norte e sem princípios.

Alguém contesta que a OMV necessita de sangue novo, requer uma profunda remodelação, de novas ideias e outra dinâmica? Parece-me que não… ou talvez apenas o actual Bastonário que a pouco e pouco foi cavando um profundo fosso a separá-lo dos colegas, empurrando, inclusivamente, para lá dessa fronteira, indefectíveis apoiantes seus.

Mas quem surge com nível e elevação a essa sucessão? Ninguém! A Ordem passa por profundos problemas que terão que ser resolvidos, sob pena do poder político chamar a si a regulação da profissão, já que ela não se sabe regular a si mesma.

Um dos problemas é o da credibilidade e respeito. Não é possível granjear esses valores se os pretendentes ao poder não souberem ser credíveis e ser respeitados. Apenas alguns exemplos.

O recurso ao tribunal, para resolver problemas internos, que deveria ser o último recurso, tem sido afinal usado demais. Se afinal a Assembleia-geral, de 2 de Junho, resolveu o “problema” das eleições, para que foi então entreposto recurso? Dir-se-á, justamente, por uma questão de princípio. Mas então porque é que os promotores da acção judicial de impugnação das eleições, promoveram também a realização de uma Assembleia-geral com esse fim? Entende-se esta estratégia? Só como uma forma atabalhoada de conquistar o poder.

Numa altura de crispação entre as partes, em que o consenso, embora tentado (segundo anunciou o Presidente da Mesa da Assembleia-geral), não foi conseguido, não seria essencial salvaguardar regras elementares de funcionamento da Assembleia? A resposta é um óbvio sim. Mas não foram. O Presidente da Mesa foi avisado, antes da Assembleia, que havia erros na forma como ela estava a ser convocada. O Bastonário emitiu uma circular nesse sentido. Uma das primeiras intervenções na Assembleia propunha a sua imediata dissolução invocando esses erros. Qual foi a reacção do Presidente da Mesa? Nenhuma. Nem tão pouco uma explicação, a sua explicação, para os factos invocados. Qual teria sido o problema em adiar 15 dias ou 1 mês a realização da Assembleia? Aparentemente nenhum, muito pelo contrário: eventualmente já se saberia mais sobre a decisão do tribunal a uma das acções de impugnação do acto eleitoral. Bom… mas dirão alguns que era urgente sanar a situação de crise. Muito bem… Mas nesse caso porque raio de razão foram as eleições marcadas para daí a 4 meses?

Os órgãos da OMV não podem ser geridos com a ligeireza de uma Associação desportiva de aldeia. Sem desprimor… pois provavelmente nem aí se verificam os erros e omissões que no caso da Ordem estiveram na origem desta confusão. Bolas… era só ler os Estatutos, que nesse particular são claros, para que os dossiers das candidaturas fossem intocáveis. De facto não estão em causa interpretações diferentes, apenas um grande amadorismo a fazer as coisas. Pior! Para alguns, que assim se expressaram na Assembleia, tratam-se de detalhes que apenas interessam ao actual Bastonário. Mas não é este conceito de que pequenos pormenores não interessam nada, o primeiro passo para a anarquia total? Se a simplíssima organização de uma candidatura revelou tanta displicência, que desempenho se pode esperar dos seus promotores caso venham a ganhar as eleições?

O normal funcionamento democrático de uma instituição exige dos colegas eleitos uma grande dedicação à própria instituição, obrigando a cada momento a tomadas de decisão bem ponderadas. Para quem está de fora não se compreende que um órgão se demita das suas funções (e não está em causa a nobreza da atitude em absoluto), quando os membros desse órgão tudo fizeram para criar as dificuldades que justificam em última análise a própria demissão. Tal não ajuda a enraizar a credibilidade da OMV e espera-se que a demissão (se outras razões não foram aduzidas) não seja aceite pelo Conselho Profissional e Deontológico. Imagine-se que por despeito ou por incapacidade de gerir a OMV “à vista e por duodécimos”, os Conselhos Directivo, e Profissional e Deontológico se demitiam… Ficava toda a administração corrente nas mãos de quem? Teria o Governo que nomear uma Comissão de Gestão? Será que a figura da demissão nestas circunstâncias dignificaria a profissão? Não me parece.

Outro problema resulta da falta de envolvimento da grande maioria dos membros da Ordem. Na Assembleia-geral de 2 de Junho foi invocado a grande expressão de associativismo por estarem, entre presentes e representados, cerca de 300 colegas… mas a Ordem tem mais de 4000 membros… ou seja estariam presentes ou representados, cerca de 7,5% dos membros da OMV. Onde estão as razões para rejubilar?
Além disso a participação dos Médicos Veterinários noutras actividades da Ordem é geralmente muito diminuta e resume-se quase sempre às mesmas actividades de sempre… dir-se-á que tal é sinal dos tempos e que o mesmo se passa em outras associações congéneres, contudo uma coisa não pode justificar a outra e ainda assim um novo esforço de mobilização terá de ser então garantido.

É necessário diversificar as actividades chamando à vida associativa os colegas mais novos. É necessário um maior entrosamento entre o mundo escolar e o mundo profissional. É muito importante que a Escola se projecte na Ordem, sejam quem forem os dirigentes, e que encoraje a participação associativa. É essencial que os Conselhos Regionais planeiem actividades de natureza social e profissional de forma descentralizada permitindo a participação dos colegas. É da mais elementar necessidade que as múltiplas actividades dirigidas ao mundo da nossa profissão, pelo menos aquelas que se dirigem especificamente aos Médicos Veterinários, sejam coordenadas evitando-se sobreposições e coincidências de datas. Neste particular a cooperação institucional entre Ordem, Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários e Sociedade Portuguesa de Ciências Veterinárias é essencial.

Um último aspecto refere-se à identidade e autoridade da Ordem. Inacreditavelmente a missão da Ordem, que deriva do seu Estatuto, é pouco conhecida. Diria mesmo que não existe nessa forma, mas apenas como definição estatutária, “…instituição representativa dos licenciados em Medicina Veterinária ou equiparados legais que, em conformidade com os preceitos deste Estatuto e demais disposições legais aplicáveis, exercem actividades veterinárias.”, o que, convenhamos, é muito pouco.
Tão pouco que muitos colegas desconhecem realmente qual é o seu papel. Mas pior, a comunidade lusitana não sabe que a OMV existe. Que exagero… comentaram alguns, mas a verdade, verdadinha, é que sistematicamente a Ordem não é ouvida, nem achada.

Um exemplo, ainda que possa ser discutível ou polémico, a participação no Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Dirão alguns que aí não temos acento, nem deveríamos ter. Contesto. A Medicina Veterinária o que é senão uma ciência da Vida? Não tem como função salvaguardar o bem estar do homem, mesmo que indirectamente quando cuidando do animal de companhia, ou das espécies pecuárias ou assegurando a segurança dos alimentos?

Outro exemplo, talvez mais sensível para a grande maioria dos colegas, diz respeito à reorganização dos Serviços Veterinários Oficiais. De capital importância para toda a profissão o processo decorreu desordenadamente e sem que alguma vez tenham pedido a opinião à OMV.

Mas a identidade e autoridade não são “bens” garantidos de uma Associação profissional, há que fazer por eles e quase sempre é preciso lutar, como nas nossas vidas pessoais, para que a sociedade nos reconheça esse “património”.
A este nível o que tem feito a profissão neste particular? Muito pouco... E apenas para citar exemplos recentes:
- Discute-se já a operacionalização do Plano de Desenvolvimento Rural para Portugal. Tentou a profissão através das suas Associações preocupar-se em garantir que a Produção Animal, o Bem Estar Animal ou a Segurança Alimentar venham a ter lugar nos projectos a apoiar e que por consequência os Médicos Veterinários, principalmente os que labutam nas áreas rurais possam almejar, com dignidade, a um papel de relevo na implementação desse Plano? Numa altura em que as saídas profissionais escasseiam parecia-me essencial uma iniciativa a este nível.
- O modelo de funcionamento e financiamento da Saúde Animal, da Inspecção Sanitária Veterinária e da Produção Animal estão a mudar e a adaptar-se à nova realidade conjuntural. Quais as propostas da Profissão a este nível, que conduzam a uma nova projecção de sectores de intervenção tão queridos da profissão? Seria de esperar que existisse um consenso alargado, inclusivamente com os candidatos a candidatos de timoneiros da OMV… mas onde estão as propostas?

Credibilidade e Respeito, Participação e Cooperação da maioria dos Veterinários e Identidade e Autoridade, parecem-me ser três vectores fundamentais para colocar a Profissão de novo no bom rumo… Ou desaparecermos como Classe.

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