6 de agosto de 2003

NITROFURANOS: PROCURAM-SE... EM QUALQUER DOSE E DE QUALQUER ORIGEM!

Aí está um belo tema para reflexão dos cientistas do novel Conselho da Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar (AQSA).
Proibida a sua administração em animais de produção, aqueles que de alguma forma nos chegarão ao prato, engalanados de batatas e arroz, tostados ou mal passados, suscitando a repulsa de vegetarianos e dietistas, não é menos verdade que alguns veterinários, timidamente e sempre sob a forma interrogativa, como manda a boa regra ("duvidando se chega à verdade"), parecem agora empenhados em demonstrar os ví­cios daquela proibição.
Não se sabe se tais interrogações só se colocaram depois de um diligente cientista ter "inventado" um método laboratorial fiável, na detecção dos famigerados e eficazes nitrofuranos ou se tais preocupações sao anteriores à "mini-hecatombe" que atingiu a produção aví­cola nacional... Saber-se-á em breve... sendo certo que, até ao momento, ainda ninguém invocou tal estatuto.
Certo, certinho é que eram proibidos, na condição de não chegarem ao prato do comum mortal, exactamente para evitar precipitar aquela condição e igualmente certinho que já estavam na carne das aves.

E por ser assim, o Estado investiu na sua busca e controlo... e com que resultados... reconhecida a existência de uma rede ilegal de compra e venda de nitrofuranos e outras substâncias nao menos proibidas, destinadas a insuflar lombos e coxas, apresentada queixa-crime contra os prevaricadores, denunciados os crimes contra a Saúde Pública, aberto inquérito pelo Ministério Público, parece que tudo ficará em águas de bacalhau (não, não estou a levantar qualquer suspeita ao pobre animal) ou seja, a investigação dos casos colidiu com obstáculos (in)esperados e adivinha-se o arquivamento dos processos.
Falhas na metodologia de recolha de amostras, impedindo a realização de prova fidedigna e atrasos de vários meses desde a colheita de amostras até á  comunicação  às autoridades responsáveis pela investigação, inibindo a concretização de prova fiel, são exemplos da ineficácia dos Serviços Veterinários Oficiais.
Negligência, conivência ou simplesmente culpa do Sistema, julgo que nunca chegaremos a saber... nem tão-pouco tal circunstância será suficiente para estimular o brio dos Médicos Veterinários Oficiais, particularmente das chefias intermédias (Directores de Serviço e Chefes de Divisão), para que venham em sede própria clarificar a situação... a repercussão pública desse facto agradecia-se!

Mas também não se justifica tal labor porque subsistirá sempre uma valente desculpa: a posse e comercialização de substâncias proibidas, como é o caso dos nitrofuranos, não é crime em Portugal.
Das duas uma: ou o compromisso assumido com a Comunidade e o Paí­s, na pesquisa e controlo daquelas substâncias era sério e deveria ter obrigatoriamente originado uma alteração legislativa, que inscrevesse e tipificasse as acções consideradas criminosas, ou tal compromisso foi leviano ou mal pensado, secretamente adúltero, no caso dos nitrofuranos, por incapacidade científica de prova (como aconteceu até há bem pouco...), ainda assim insuficiente para justificar o divórcio, mas bastante para a complacência e o desencanto... e depois o perdão!
Para "advogados de defesa" já se perfilam todos os polí­ticos, até o ex-Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, concordando com a alteração do Código Penal em matéria de utilização de substâncias proibidas no tratamento ou alimentação de animais, destinados ao consumo público, omite a sua própria responsabilidade polí­tica (obviamente que não outra...), em não ter tido essa iniciativa enquanto titular da pasta: não foi, por então, não se ter falado tanto em clembuterol, nem por não ter sido sob a sua tutela que os nitrofuranos foram proibidos.
Parece que Veterinários e ex-Ministro voltam a estar de acordo... cruzes.

Igual sorte terao a Ordem dos Médicos Veterinários e os Médicos Veterinários Oficiais (todos eles: os que o são por vocação ou destino e os que o são por delegação de poderes): "o enamoramento"... baseado, no mais que certo, arquivamento dos processos de inquérito que foram prometidos à  imprensa, mas de que pouco se sabe (devem estar em segredo de justiça).

O efeito depurador do tempo encarregar-se-á  de tratar do assunto, afinal matéria tão banal como um erro de registo (que se afigura, apesar de tudo, grave para a Direcção-Geral de Veterinária), originando o descaminho de frangos congelados, que ao invés de terem sido destruí­dos e incinerados foram transformados em farinhas destinadas à deposição em aterro sanitário e em gorduras para incorporação em alimentos para animais (tendo sido parte exportada para Espanha), cairá no esquecimento da sanção e nao servirá nem para emendar a mão; a resposta dos Serviços Regionais de Agricultura "está dada": nao se tivesse tratado de um lapso e as viaturas seladas, onde os frangos congelados foram transportados, não teriam sido tao diligentemente acompanhados por técnicos dos Serviços da Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral; por seu turno o Director-Geral de Veterinária já garantiu não haver problema para a Saúde Pública: as aves em causa só foram retiradas do mercado como medida de precaução... (precaução de quê? Constituíam ou não um risco que justificasse a sua retirada do mercado?) e além disso os nitrofuranos nem são lipossolúveis (então não se justificava a incineração?).

As coisas vão aquecer, mas apenas à força dos incêndios que devastam o País, porque o Conselho Cientí­fico da AQSA vai estar em sintonia com a opinião das Sociedades de Ciências Veterinárias; os Médicos Veterinários Oficiais não se vão sentir indignados pelas críticas à sua eficácia; sobre a criminilização do uso de substâncias proibidas voltaremos a falar, na melhor das hipóteses na próxima legislatura; inquéritos do Ministério Público e da Ordem dos Médicos Veterinários serão arquivados e o tempo encarregar-se-á do resto.

Até lá veremos quem vai suar as estopinhas!

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