20 de setembro de 2004

MEU CARO MÉDICO

Não é com facilidade que, com uma frequência inusitada, nos vemos confrontados, já nem falo da iliteracia científica, mas da mediocridade intelectual de certos jornalistas e também com a estreiteza mental de quem com eles, por vezes, fala. Não sei se "as luzes dos holofotes" são capazes de bloquear algumas sinapses nervosas mas certo, certinho, é que muito boa gente quando colocada à frente duma câmara acaba por se baralhar, de tal maneira, com a linguagem que utiliza (entre o cientificamente pretensioso e a "banalidade" inteligível pelo cidadão comum), com a colocação no "ângulo mais favorável" (como se o perfil físico tivesse alguma coisa que ver com o "parceiro" intelectual), com o reconhecimento das capacidades e competências (que por ser auto-focada é geralmente distorcida), que na pior das hipóteses deixa tolhido qualquer mortal, quando não suscita um riso a bandeiras despregadas.

Vem a lenga-lenga a propósito da notícia que hoje inundou jornais e televisões sobre a "doença misteriosa" que atingiu mortalmente duas pessoas em Seara – Ponte de Lima.

Diz o Publiconline": "Em comum, os sete casos têm apenas os sintomas (febres altas, manchas amareladas no corpo e coma) e a origem: Seara"... devemos concordar que é uma grande apenas!... e mais à frente: "Duas semanas depois, o marido da senhora foi encaminhado, com os mesmos sintomas, para o CHAM [Centro Hospitalar do Alto Minho]...Em observação, e segundo avançou ontem o director clínico do CHAM, Adriano Magalhães, estão também os dois netos das vítimas. ", que raio, ninguém, entre os habilitados, fez referência aos factores de risco presentes... sempre julguei que com umas "attack rates" e um inquérito bem conduzido já teria sido possível ter pistas bem concretas e se esse é o sentido de análises sofisticadíssimas, a esse não menos mediático e não menos misterioso (para a população em geral) ADN. Então porque não se faz referência ao facto?

Mas aquela peça inclui uma outra preciosidade: "...o delegado de saúde de Ponte de Lima, Emídio Morais, ordenou o abate dos animais domésticos da casa, nomeadamente galinhas e um porco, que também estava doente, pedindo também a remoção dos dejectos animais.", mas tal competência não requer o concurso da Autoridade Veterinária? Mudou a Lei ou a competência legal para determinar o abate de animais, por razões sanitárias, está atribuída exclusivamente à Direcção-Geral de Veterinária? O Delegado de Saúde não sabia ou fê-lo com que concurso das Autoridades Veterinárias? Admitindo que a decisão possa ter sido, na prática, uma boa decisão, pelo risco que aqueles animais pudessem representar, coloca-se uma questão interessante: qual foi o destino dado aos cadáveres? Não me digam que não se preocupou a Autoridade Sanitária em proceder à sua destruição! Se realmente constituíam um perigo em termos de contágio, o seu enterramento (admitindo que o destino foi apenas esse) não será uma fonte de disseminação?
Entretanto o "Correio da Manhã" anuncia que: "O presidente da Junta de Seara, Cândido Afonso, já mandou abater os animais da família (porcos e galinhas), enquanto o delegado de Saúde, Emídio Morais, aconselhou a população da freguesia a não consumir a água dos poços."... enfim ficamos sem saber ao certo quem determinou o "abate sanitário". Afinal foi o Presidente da Junta ou o Delegado de Saúde? Em qualquer dos casos é curiosa a frase, já que a inumação do cadáver sempre poderia estar associada à contaminação freática.

Título no "Correio da Manhã": "Pânico em Ponte de Lima. VÍRUS MATA DUAS PESSOAS"
Título do "Diário de Notícias": "A origem da doença que atingiu 7 habitantes da Aldeia da Seara, em Ponte de Lima, ainda é desconhecida."

Interessante mesmo é como o raio da doença foi apelidada de misteriosa… parece que não havia melhor sinónimo de desconhecida, ou até como o desconhecido foi confundido com o "ainda sem diagnóstico definitivo".

Sem comentários... interpretem como quiserem... aceitam-se comentários!
Em particular do mais popular médico da blogosfera!

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