21 de setembro de 2004

QUEM É O DESEMBARGADOR?

Não haverá grandes dúvidas sobre a natureza "política" do embargo ao comércio de bovinos, produtos de origem bovina e produtos bovinos, imposto a Portugal pela União Europeia; da mesma maneira que não subsistem quaisquer dúvidas sobre os fundamentos de natureza técnica e científica que sustentam o sequestro dos bovinos nacionais.
Quer dizer que, no quadro de funcionamento da União Europeia, temo até que não haverá "volta a dar" a tal condicionalismo, nem agora, nem no futuro, as decisões assentarão sempre em critérios de natureza exclusivamente política.
Por outras palavras: os aspectos de natureza técnica e científica estarão sempre subordinados aos de natureza política ou melhor, não basta que técnica e cientificamente se justifique "fazer" de determinada maneira, será necessário demonstrar que essa é a maneira correcta e equilibrada de se fazer, para que seja possível (politicamente) merecer uma decisão nesse sentido.
Apenas a estética e a arte conseguiram alguma emancipação desta "tutela".

Sem emitir qualquer juízo de valor sobre tal circunstância, esse não é o leitmotiv deste post, é evidente que dentro de certos parâmetros, a capacidade de exprimir um certo parecer científico e a qualidade desse parecer condicionam e determinam o sentido de uma dada decisão política.
Dentro de determinados limites, uma decisão desta natureza poderá ser tomada num determinado sentido ou no sentido exactamente contrário, ainda que a sua sustentação técnica e científica seja "de facto" a mesma.
No caso do embargo às exportações bovinas nacionais, os fundamentos parecem enquadrar-se no que ficou dito: os mesmos dados estatísticos e de avaliação da execução do programa de controlo em Portugal, sustentam dois sentidos de voto: a França votando contra e a Alemanha, Espanha, Itália e Reino Unido, votando a favor.
Sendo a base da decisão exactamente a mesma, a divergência de opiniões tem obrigatoriamente que se sustentar na latitude de análise permitida por esses dados, sem o que facilmente poderia ser posta em causa a credibilidade de um certo sentido de voto, como o voto contra da França.

Mesmo admitindo um maior ou menor nível de exigência, não é admissível que um conjunto de elementos estatísticos e uma avaliação da execução das acções revelando uma evolução positiva e deixando, sem margem para dúvidas, que, à luz dos indicadores estabelecidos pelo Office International des Epizooties (OIE), foram concretizados os objectivos mínimos, na perspectiva do levantamento do embargo, possibilite outro sentido de voto que não aquele.
A não ser assim, permito-me pensar que a apresentação de resultados pelas Autoridades Nacionais não obedeceu aos melhores critérios de natureza técnica e científica, pois assim sendo a "latitude de análise" a que antes aludi, estaria muitíssimo condicionada, tão limitada que seria ridículo votar contra, como a França continua a ameaçar fazer, apenas porque politicamente tal voto poderá ser o primeiro passo para o levantamento do embargo ao Reino Unido, abrindo portanto o caminho à abertura ao comércio do outro lado da mancha.

As movimentações diplomáticas podem ser muitas, mas o que lhes daria força seria, sem dúvida, um relatório de execução de actividade em Portugal, claro e objectivo, assente em conceitos correctos de epidemiologia e estatística, não deixando margem para dúvidas sobre o profissionalismo colocado naquela execução.
Penso que este não é o caso e por isso foi dada "margem de manobra" às Autoridades francesas; não se queixem pois do seu feitio terrible, cuidem antes de emendar a mão, os "técnicos e cientistas" responsáveis pela elaboração dos relatórios.

Não venham, em qualquer caso, lamentar a decisão do Desembargador, que afinal não vai desembargar nada, nem embandeirar em arco em caso contrário.
Já falta pouco, mais logo e quarta-feira será tomada uma decisão pelo respectivo Comité Permanente.
Aceitam-se apostas!

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